quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Abriu as gavetas, uma por uma. Nada havia sido esquecido, mas muito seria deixado para trás. Olhou-se no espelho e procurou qualquer coisa que a fizesse lembrar de si mesma. O cabelo colorido, com corte diferente, as marcas do sol ou da catapora... Sim, tudo estava ali, no mesmo lugar, ainda que parecesse faltar alguma coisa.
Despediu-se da cama vazia, abraçando-se mais uma vez ao travesseiro onde ele costumava dormir. Aquele, que costumava ter seu cheiro - de suor, perfume ou sabonete - e que o substituíra nas noites (cada vez mais frequentes, nos últimos tempos), em que seu dono não pudera estar ali.
Deixou que as lágrimas molhassem o artefato, inundando ali a esperança de retomar o que há muito já havia chegado ao final. Levantou-se, olhou-se mais uma vez e pôs-se a caminhar em direção à porta. A saída nunca esteve tão perto.
Colocou as malas no carro, uma a uma. Quanta coisa cabia ali! Suas roupas, maquiagens, sapatos, memórias...oito anos de uma vida que já não era mais dela. Voltou à casa e conferiu as luzes - todas apagadas, assim como se sentia agora. Na estante da sala, fotos nas quais já não se reconhecia. Aonde foi parar toda aquela alegria?
Refez o check-list antes da partir - mania de alguém que se pretende organizada. De fato, não faltava nada, mas jamais se sentira tão incompleta - "Eu devo ter me esquecido de alguma coisa". Cozinhava bem, sabia se portar em público, tinha boa aparência, não implicava com os amigos dele, deixava que saíssem sempre que quisessem, não negava fogo... Ok, não gostava muito dos trabalhos de casa, mas sempre os assumia quando a diarista não vinha. Mas o que foi que faltou? Não foi o romantismo, que continuava impregnado no espelho com recados de sabão, nem atração.
Estudou seus passos antes de fechar a porta a suas costas. O que faria a partir dali? O que é mesmo que queria ser quando crescesse? Lembrou-se que pensou em ser professora universitária, colecionar títulos, falar várias línguas, viajar vários países. Mas não sabia por onde começar. Aquilo estava adormecido há tanto tempo dentro de si que nem sabia mais se era mesmo o que queria, já que nos últimos anos, só queria saber de ser dele. Esposa, amante, mãe, o que fosse preciso, não fazia diferença. Mas não bastou...ou foi demais. "Eu fiz tudo por nós dois...", pensou, enquanto escorria uma última lágrima.
E foi aí que encontrou o elo perdido, a peça que faltava no quebra-cabeças. Ela fizera tudo, e se esquecera de deixá-lo lutar. Ela dera tudo, sem que fosse conquistado, pedido. E agora, era só um amontoado de sonhos esquecidos. Enxugou os olhos, ajeitou o espelho do retrovisor e retocou o batom. Estava começando a se reencontrar. E isso era bom...Afinal, era mesmo a única companhia com a qual sabia que poderia contar.

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