quinta-feira, 23 de abril de 2015

A gente nasce com medo. O primeiro medo da vida da gente é o medo da própria vida. Ironia? Não...só um test drive pra vida de medos que se acumulam na vida da gente.
É medo do escuro, medo de ir pra escola, medo do pai (ou da mãe, depende quem é o mais “bravo”), medo do bicho-papão, de barata, de sapo, de cobra, de rato, de ficar sozinho em casa.
É medo da prova de matemática, de falar inglês errado, de ler em voz alta, de passar vergonha em frente ao carinha mais bonito da escola. Medo da patricinha que é muito mais bonita que você, do valentão que rouba seu lanche, medo de “contar pra tia” e levar a bronca você. Medo de menstruar, de ter cólica, de comprar absorvente.
Medo de contar que ama, de levar fora, de levar chifre, de ficar sozinha, de terminar, de contar que não ama, de começar de novo, de desgostar de novo e ficar pra tia.
Medo do vestibular, de não saber escolher, de ter feito a escolha errada, de dizer que se arrependeu. Medo de começar de novo, medo de escolher errado de novo, medo de não ganhar dinheiro, de dever, de não arranjar emprego.
Medo do patrão, medo de falar a verdade, de se defender, de virar capacho (mas de tanto medo, já virou), medo de ser demitido, de ficar com uma mão na frente e a outra atrás.
Medo é um mal necessário – mas em doses homeopáticas: faz a gente enxergar os próprios limites, medir as consequências, não agir no sobressalto. O que acontece é que tem gente que tem tanto medo, mas tanto medo, que de tanto se encolher, definha, fica parecendo um casulo murcho e feio, tão feio que quem acaba tendo medo é a vida.


sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Amigo a gente não faz. Eles já vêm feitos de casa, com uma bagagem que cabe a nós saber se vamos suportar ou não, se vamos ou não ajudar a carregar.

Amigo a gente não tem. Eles não são objetos, propriedades...Amigos a gente conquista, pouco a pouco, ou de uma vez. Às vezes, basta um chopp dividido numa mesa de bar, um samba dobrado ou um funk até o chão pra se descobrir um amigo "alma gêmea", desses que você bate o olho e vê que é pra sempre. Outras, demora um pouco mais...

Amigo a gente não divide, porque não é lanche. Você não coloca o amigo em cima de um paninho xadrez pra compartilhar, como fazia com a bolacha recheada no recreio da escola.

Seus amigos não precisam ser amigos uns dos outros, necessariamente, porque não são brinquedos que vão ter que ficar guardados na mesma caixa. Se for, ótimo. Se não, paciência. Resta aprender a cuidar de cada um a seu tempo e à sua maneira.

E os melhores amigos...Ah, por que é que esses têm que ser no singular? O bom mesmo é no plural, muitos, um pra cada sentimento, um pra cada versão da gente mesmo...

Amigo a gente não prende, não sufoca. Ser amigo é igual a criar um gato. Você dá amor, comida gostosa, colo quente, mas de vez em quando vai ter que entender que ele vai pular o muro pra procurar coisas que não encontra em você. Mas vai voltar, ronronando e fazendo gracinha pra te ver sorrir.

Não precisa ser parecido pra ser amigo, pensar igual, ter os mesmos gostos. Só precisa ser amor.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Abriu as gavetas, uma por uma. Nada havia sido esquecido, mas muito seria deixado para trás. Olhou-se no espelho e procurou qualquer coisa que a fizesse lembrar de si mesma. O cabelo colorido, com corte diferente, as marcas do sol ou da catapora... Sim, tudo estava ali, no mesmo lugar, ainda que parecesse faltar alguma coisa.
Despediu-se da cama vazia, abraçando-se mais uma vez ao travesseiro onde ele costumava dormir. Aquele, que costumava ter seu cheiro - de suor, perfume ou sabonete - e que o substituíra nas noites (cada vez mais frequentes, nos últimos tempos), em que seu dono não pudera estar ali.
Deixou que as lágrimas molhassem o artefato, inundando ali a esperança de retomar o que há muito já havia chegado ao final. Levantou-se, olhou-se mais uma vez e pôs-se a caminhar em direção à porta. A saída nunca esteve tão perto.
Colocou as malas no carro, uma a uma. Quanta coisa cabia ali! Suas roupas, maquiagens, sapatos, memórias...oito anos de uma vida que já não era mais dela. Voltou à casa e conferiu as luzes - todas apagadas, assim como se sentia agora. Na estante da sala, fotos nas quais já não se reconhecia. Aonde foi parar toda aquela alegria?
Refez o check-list antes da partir - mania de alguém que se pretende organizada. De fato, não faltava nada, mas jamais se sentira tão incompleta - "Eu devo ter me esquecido de alguma coisa". Cozinhava bem, sabia se portar em público, tinha boa aparência, não implicava com os amigos dele, deixava que saíssem sempre que quisessem, não negava fogo... Ok, não gostava muito dos trabalhos de casa, mas sempre os assumia quando a diarista não vinha. Mas o que foi que faltou? Não foi o romantismo, que continuava impregnado no espelho com recados de sabão, nem atração.
Estudou seus passos antes de fechar a porta a suas costas. O que faria a partir dali? O que é mesmo que queria ser quando crescesse? Lembrou-se que pensou em ser professora universitária, colecionar títulos, falar várias línguas, viajar vários países. Mas não sabia por onde começar. Aquilo estava adormecido há tanto tempo dentro de si que nem sabia mais se era mesmo o que queria, já que nos últimos anos, só queria saber de ser dele. Esposa, amante, mãe, o que fosse preciso, não fazia diferença. Mas não bastou...ou foi demais. "Eu fiz tudo por nós dois...", pensou, enquanto escorria uma última lágrima.
E foi aí que encontrou o elo perdido, a peça que faltava no quebra-cabeças. Ela fizera tudo, e se esquecera de deixá-lo lutar. Ela dera tudo, sem que fosse conquistado, pedido. E agora, era só um amontoado de sonhos esquecidos. Enxugou os olhos, ajeitou o espelho do retrovisor e retocou o batom. Estava começando a se reencontrar. E isso era bom...Afinal, era mesmo a única companhia com a qual sabia que poderia contar.

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Sapo vazio não para em pé...

Já engoli caroço, comprimidos enormes, chiclete e até mosca. Mas sapo não. Tá aí uma coisa que eu nunca engoli. Não porque eu seja dona da verdade...passo bem longe disso, aliás.
Esse sapo metafórico que se engole diariamente é daqueles que incham o papo quando descem pela goela da gente. Fazem um volume enorme dentro do buxo, viram e reviram nossas entranhas na tentativa de sair. Esse sapo costuma ser venenoso. Não age de primeira, fica ali dentro, remoendo lentamente o que você considera mais valioso.
Já me disseram que engolir sapo faz parte da vida, que mantém o equilíbrio ecológico das relações... Que é preciso respirar fundo e engolir a seco pra não piorar a situação.
Mas acontece que eu sou fraca pra essas coisas. Já tentei! Juro que tentei...mas uma hora ou outra o tal do sapo pula desesperado da minha boca e sai destruindo tudo o que está por perto.
Por isso preferi não tentar mais.
Esse sapo vem vestido de injustiça, de falsidade, descaso, desonestidade ou traição. Vem disfarçado com pintinhas coloridas, te chama de amigo e até de irmão.
É bem fácil reconhecer esses animais - quase peçonhentos. É só jogar um pouquinho de um sal chamado verdade, que se encontra em prateleiras escondidas nos fundos dos corações (todo mundo tem, só precisa se esforçar pra achar). Assim como o sal, o tal sapo também mora dentro de nós. Fica doido pra sair, se jogar na boca dos outros, se alimentar dos outros sapos que já estavam lá, esmagando tudo por dentro. Um perigo!
Mas calma, não é preciso fazer alarde, nem matar sapo nenhum - afinal, isto seria uma afronta ao tal equilíbrio ecológico, um crime até! Basta espalhar o seu sal aos poucos e não jogar seu sapo na boca dos outros.
Porque afinal, sapo vazio não para em pé.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Ela não se parece comigo. Nem fisicamente, nem de outro jeito nenhum.
Ela é morena, eu azeda.
Ela tem os olhos coloridos, os meus não sabem que cor querem ter.
Ela é boazuda, eu sou magricela.
Ela tem um gosto estranho pra homens e músicas.
Ela vai pra balada sertaneja, pro funk, pra micareta, e pra qualquer outro lugar onde possa se divertir. Eu me limito ao samba, rock e MPB.
Ela é desafinada, mas quando canta comigo entra no meu tom.
Ela não quer estudar, nem trabalhar de carteira assinada. Quer ser cada dia uma mulher diferente, e mesmo assim seguir vivendo tão bem quanto qualquer simples mortal.
Ela cozinha com gengibre e curry. Eu uso no máximo manjericão.
Ela quer bancar a periguete, mas só eu sei o quanto ela precisa de amor.
Eu não a entendo, mas não preciso entender.
Ela é assim, essa controvérsia em forma de gente, que chega do acampamento de oração marcando uma balada massa!
Ela não é da família, não mora perto de mim...eu não tenho obrigação nenhuma de vê-la ou ouvi-la.
Mas isso era tudo o que eu queria agora.
Pra morder no seu dedo e fazê-la ver que dói, que nem a vida.
Pra mostrar que doer faz parte, que é preciso doer pra ser belo, que nem tatuagem.
E que eu sempre estarei na ponta desse dedo, a poucas teclas de distância, latejando, pulsando, cheia de vontade de te ver feliz!